A batida de Bauman

A Casa dos Gatos, por Jesuíno André

📸 Jesuíno André de Oliveira

Após assistir uma entrevista com o sociólogo Zygmunt Bauman resolvi escrever esse relato. É uma analogia ao pensamento do renomado polonês, que bem retrata o comportamento e as relações humanas nos tempos atuais.

Era uma sexta-feira quando fui pegar Natan no colégio. Guiava pela Av. Rui Carneiro com o trânsito pesado, cheio de carros e motos. Está comprovado que a maioria dos motoristas e motoqueiros neste país não possui habilidade suficiente para dirigir um carro de mão.

Bom, essa avenida tem muitos semáforos o que possibilita engarrafamento em horários de pico. Estava na faixa à esquerda e na do meio ia um caminhão baú, desenvolvendo boa velocidade, quando ao próximo sinal a luz amarelou e o motorista hesitou freando bruscamente em cima da faixa de pedestre. Logo atrás dele vinha um motoqueiro numa 125cc cuja velocidade não foi capaz de frear em tempo hábil. Tentou desviar, mas acabou batendo na quina do lado direito do caminhão. Desmantelou a moto e o seu condutor rolou pelo chão e ficou meio azoado com a pancada.

Enquanto os outros motoristas ficaram de platéia, dois caridosos pedestres, como bons samaritanos, foram ajudar o infeliz motoqueiro. Até então o condutor do caminhão não havia percebido o que tinha ocorrido e o sinal ainda estava vermelho. A moto ficou na calçada e o motoqueiro refeito – só com uma sandália no pé – tratou de procurar o caminhoneiro dirigindo-se até a cabine pelo lado direito.

O motorista de meia idade, bem tranqüilo, já tinha saído pelo lado contrário para verificar a traseira do veículo. Com um cigarro no bico, ele olhou meio de banda para a moto, fez meia volta, deu uma tragada final e jogou a piola pra bem longe. Depois subiu no caminhão, deu partida, o semáforo ficou verde e sumiu seguindo viagem.

Tudo isso durou o tempo do sinal fechar e abrir. O mais interessante é que o motorista não deu uma palavra e nem procurou o desafortunado motoqueiro. A batida poderia ter causado uma tragédia maior, mas para as personagens e o público presente, parecia que nada tinha acontecido. Uma mera banalidade do cotidiano. A liquidez das relações e dos momentos que nem Bauman imaginaria.

Jesuíno André de Oliveira

Cinquentão nascido baiano, adotado paraibano desde 1980, dublê de produtor cultural, crítico musical e podcaster. Trabalhou na área de comunicação e publicidade como redator, atualmente é cronista e aspirante a escritor, além de editor do programa Dicas do MeuSons na rádio Alternativa B.

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