A casa dos Gatos, por Jesuíno André de Oliveira
O mundo é feito de aparências, entretanto as aparências não enganam, elas simplesmente aparecem. A primeira impressão, a ‘prima facie’ como diria os eruditos educados no bom latim, é a que fica. Seja ela boa ou ruim, não existindo o meio termo.
Uma má impressão seria incompreensível para com a estampa dos irmãos Boanerges exposta durante uma festa a caráter. Ora veja, cinco deles, entre irmãos e sobrinhos, todos boas pintas, estavam bem vestidos em ternos com gravatas borboletas impecáveis. Foram convidados pelos pais de uma jovem aniversariante para comemorarem o momento especial entre pessoas especiais. Entretanto, a recepção e o tratamento não foram condizentes por parte dos assistentes do festejo.
Não que os Boanerges fossem figuras glamourosas no caderninho society dos anfitriões. Eram mais modestos, mas nem por isso menos interessante. Inteligentes, sagazes e rapidez de raciocínio que beira a esperteza, são características que marcam os membros da família – independente dos gêneros – e aqui em especial pelas duas gerações sentadas à mesa.
Por sinal, uma mesa mais distante do centro da festa, tal qual aqueles personagens da parábola cristã, mas que neste ensejo não estariam posto à prova qualquer sentido ético-moral. Certamente que a distância impediria de ver melhor o desenrolar da comemoração, das figuras importantes, das mulheres bonitas e mais ainda dos comes e bebes. Esses últimos eram sempre os últimos a não chegarem aos paladares dos nobres convidados. O garçom, por sabe-se lá qual razão, quando se aproximava fazia ouvido de mercador perante os chamados desesperados e quando abordado a bandeja estava sempre vazia. E todos como bons bebedores estavam com as gargantas secas.
Paulo Boanerges, o mais velho, experiente e, por conseguinte, líder do grupo, passou a mão deslizando o conjunto bem aparado do bigode e cavanhaque, num sinal que lhe era característico quando estava a pensar em uma solução qualquer. Olhando para os outros que o espreitavam, disse:
– Deixa comigo e preparem-se para as bebidas e comidas.
Levantou-se da cadeira, procurou e acenou para o garçom que distante assentiu com a cabeça. Ao chegar, Paulo falou ao seu ouvido:
– Como é seu nome, meu caro?
– Jorge, senhor!
– Jorge, meu chapa, estamos aqui há um bom tempo e nada dos comes e bebes.
– Pois não – disse o atento garçom.
– Seguinte, sirva uísque e comida em fartura para a nossa mesa. Traga o importado e no final vamos lhe dar um bom agrado! – propôs ao outro com ênfase.
– Opa, deixa comigo!
A partir daquele momento o atendimento foi especial e não faltou nada na mesa dos Boanerges. Ninguém comentou sobre qual a palavra mágica que fez mudar a situação, mas todos sabiam que ela foi a mais adequada. Na verdade, todos tinham a certeza de estarem presenciando mais uma lição do líder.
Lá pelas tantas com a festa minguando, após vários goles e arrotos pela fartura, resolveram bater em retirada. Tudo quase muito bom. Antes, Paulo ainda sentado, puxou na mesa a caixa de isopor com gelo, pegou dois cubos e os fechou com a mão direita. Com a outra fez um sinal chamando o garçom, que estava esperando para receber um por fora. Todos os outros tinham se levantado e daí Paulo esticou o braço com a mão fechada para debaixo da mesa e fez outro sinal para Jorge que olhou para os lados e colocou o braço embaixo da mesa com a mão aberta para receber o esperado.
– Tome aqui o combinado! – disse Paulo, mirando os olhos do garçom e despejando os cubos de gelo na mão quente do outro.
– Mai rapaz!!! – Jorge reagiu com surpresa por aquela paga inesperada.
Enquanto a água escorria entre os dedos, ainda ouviu a sentença final do Boanerges:
– Isso é pra você aprender a tratar bem todo mundo, independente de quem seja ou do que vai receber. Tenha um bom trabalho e muito obrigado!
Ninguém brinca e muito menos humilha um Boanerges.
A parte legal dessa coluna, é que a gente tem a impressão de que estamos lendo uma coletânea. Fica sempre uma expectativa para a próxima! Parabéns!