A Cigarra Simone

A Casa dos Gatos, por Jesuíno André de Oliveira

Hoje tivemos a visita ilustre da Cigarra Simone.  Cantora cuja bela voz afinada em “si” veio nos anunciar que as águas de Março só em Abril. Mandei-a para outro terreiro cantar uma canção para boi dormir, mas ela declinou alegando que nesse pasto, apesar de manso, o boi é caprichoso e até me revelou sua tendência à prática do crudismo, calando-me a boca. Favor não confundir alhos com bugalhos.

Há de convir que uma legítima cigarra cantante é fauna rara em ambiente de pedras & concretos, assim como concreto mesmo é a falta de moral de alguns mamíferos bípedes – muitos deles frequentando o Planalto Central.

Dizem que cigarra cantando é chuva que vem ou quer acasalar. Don Bartimeu, o felino de olhos azuis e caçador-mor da casa, encantou-se pela bela cicadidae da nobre família Hemiptera – talvez movido pelo seu canto agudo de 120 decibéis, deu-lhe um bote. De imediato tive que intervir na causa, como um Salomão pós-moderno, afastando-a do instinto selvagem do jovem peludo.

– Si-si-si-si-si-si… – ela disparou repentinamente a velha melodia minimalista tal qual Circe a seduzir Odisseu. Tapei os ouvidos do felino, evitando assim uma iguaria fina no prato do gatuno.

A cigarra Simone demonstrou ser imperiosa; além de teimosa, mas não se deve negar seu talento. Diz ela que é da escola de Maria Callas e Montserrat Caballé, mas seu desejo mesmo é ser pop como Tarja Turunen. Bom, entre os seus arroubos artísticos e o instinto implacável do meu amigo Bartimeu, resolvi de grande monta dar fim ao lúdico episódio e a expulsei para o terreno vizinho, onde havia um vistoso matagal e um exuberante Ipê do qual poderá extrair-lhe dos ramos a tão desejada seiva.

Por fim roguei-lhe insistentemente que não cantasse aquele velho e indigesto mantra tornado sucesso na voz da outra Simone. Recebi como resposta:

– Aquela in-ve-jo-sa-sa-sa-sa…