A Casa dos Gatos, por Jesuíno André de Oliveira
Estive refletindo sobre o tempo. O tal do Senhor Cronos, um advento do fenômeno provocativo da crise existencial de um homem de meia-idade. Entre as várias implicâncias, descobri que passamos boa parte da vida pedindo desculpas e por favor. Aqui nos atentamos a sapiência do Cosmos, ou qualquer outro conceito que queira nomear – cartesiano, esotérico ou quântico.
Outro dia um querido amigo, contemporâneo do rocks, me confessou reservado e tímido, sobre os efeitos da temporalidade: a perda dos entes, a fragilidade da mente e do corpo e a saudade gritante. Mas somos constituídos disso no exercício constante na humildade do existir. Nada mais certo em justificar que somos “pó”, não esse dos delírios, mas aquele que se desintegra para se constituir uma nova verdade que haveremos de saber no tempo certo…
Tentei retribuir num momento de fortuita contemplação, uma iluminação a qual estamos sujeitos a exercer nesse tempo-espaço que nos foi dado, dizendo “veja o milagre simples da Natureza: o Universo existe porque Eu existo e Eu existo porque o Universo existe!”.
Ou seja, foi concedida a experiência da existência e a oportunidade é única, então não iremos desperdiça-la com o que não deve. E há duas coisas especificas que são pontos importantes para o entendimento de nós mesmos, as quais temos que excluir das nossas almas: o medo e o rancor.
O medo é um instinto natural inserido no gene como herança eterna, mas existe o medo que foi criado pelos desumanos como sistema de domínio e opressão. Ele sempre vem trajado com a bela roupa da ignorância. E é esse substantivo que precisamos combater, portanto temos uma tarefa difícil que somente com o autoconhecimento podemos vencer.
O rancor é um filho primogênito e robusto do medo. Além da perda de tempo, provoca danos ao corpo e a alma. Se vivemos sobre a ditadura do medo sempre acabaremos na sombra infantil do rancor. Lembrei-me de um causo verídico que meu pai escreveu em que o dito sentimento estava embutido na trama. Alias, ficou claro como mensagem subliminar e guardada na minha memória como uma lição permanente:
Duas irmãs que eram bem próximas quando jovens, cresceram, constituíram suas famílias, brigaram por futilidades e afastaram-se pelas intempéries da vida. Uma delas, ao longo do tempo, não se esqueceu do afeto e amor passado, ficou o remorso como companhia. A outra guardou o trauma e trancou-se no rancor. Bastante experiente nas emoções, a primeira sentiu a vontade de reconciliar com a irmã e com o passado. Com isso em mente foi pedir conselho ao padre da igreja que frequentava.
— Padre, faz muito anos que não falo com minha irmã porque tivemos uma briga e estou pensando em procura-la, mas não sei se devo…
— O que é isso minha filha?! Deus já nos disse que devemos amar uns aos outros. Jesus perdoou aqueles que lhes queriam o mal. Você deve se reconciliar com a sua irmã!
— O senhor acha que devo mesmo fazer isso?
— Mas claro minha filha! Vá com o coração aberto e aliviado, leve seu amor para ela e tudo dará certo.
— É padre vou fazer isso mesmo.
— Vá solene e leve umas flores como símbolo de reconciliação.
Realmente, nada mais adequado do que um espirito pacifico e desarmado. Pois numa bela manhã de domingo a senhora foi à busca de reatar com a irmandade e bateu na porta da casa. Quando a porta abriu era a irmã que ficou surpresa com a presença da outra que logo saudou:
— Olá minha querida irmã, venho aqui para fazermos as pazes! – fez menção de entregar as flores quando o pior acorreu.
— O quê?! Eu não quero saber de você mais nunca e não apareça mais aqui! – antes de bater a porta com força, jogou na rua o belo buquê de flores.
A outra ficou parada numa decepção infinita, virou-se, abaixou para recolher algumas flores e triste pensou no que tinha feito de errado.
Ela fez o certo, mas talvez o Divino não quisesse se meter nessas contendas, a fiel que se virasse.
Fiquei pensando que motivos fizeram a irmã recusar a reconciliação. A vida é tão curta para armazenar ódio e ressentimento.