A Casa dos Gatos, por Jesuíno André de Oliveira
Tem dia que é tudo ao contrário. Amanheci meio deprimido, o tempo estava nublado, fechado, como prenúncio de algo ruim fosse acontecer. E dizem que notícia ruim não demora a chegar. O que confirmei de pronto:
– Jesuíno, a filha pequena de Clark morreu! – Vitória me avisou logo cedo.
– O quê?! Nem faz quinze dias que ela esteve aqui, toda alegre, com ele e a mãe.
Na hora me deu uma dor. A guria magrinha e bem educada que iria fazer sete anos no final do mês…
Pouco tempo depois o pai bateu na porta de casa, cabisbaixo e chorando. A dor dilacerante da perda da filha no rosto sofrido de um homem pobre, preto e desempregado, com um histórico perturbador de agruras. Veio pedir uma ajuda para o enterro.
– Meus pêsames. – eram as únicas palavras que tive na boca.
O que é que nessas horas podemos dizer? Deixei-o chorar e desabafar. Disse-me que no mesmo dia que estiveram nos visitando, na volta para casa, num bairro da periferia, a filha soltou a mão da mãe para atravessar a rua quando foi atingida por uma moto. A velocidade não foi tanta, mas a pancada na cabeça ocasionada pelo guidom da moto provocou um traumatismo craniano grave. Passou quase duas semanas numa UTI e não suportou. A imagem dela com um vestido colorido e o cabelo com laços de fitinhas, carregando carinhosamente nos braços Tiquito, nosso gatinho mais novo, ainda permanece na minha memória.
Dessa vida sabemos que é dinâmica, oscilando entre fases e momentos bons e ruins, e um dia haveremos de deixá-la neste plano dimensional. Às vezes não é fácil aceitar ou assimilar certos fatos. Mas a dor fica.
Alguns dias depois, o sol ainda estava no poente quando abri o portão e vi uma pessoa toda coberta deitada num colchão debaixo de uma cobertura no outro lado da rua vizinho a uma academia de ginástica. No mesmo instante passou um carro moderno, desses preferidos da classe média e quando iria estacionar avistou o desvalido no chão e no mesmo instante deu marcha ré, parando em local distante. Saltou do referido veículo uma bela moça vestida numa roupa colada ao corpo perfeito, cabelo comprido amarrado no alto, e desfilando soberba levantou o nariz e de soslaio olhou distante para conferir o sem-teto.
Ninguém sabe ou quer saber qual é a dor do outro. Não se é obrigado – ainda acho que somos todos responsáveis -, mas ser indiferente ou desprezar o próximo é muita desumanidade. Como nos revela a canção: a dor da gente é dor de menino acanhado. Ou seja, tímida, amedrontada e sem expressão.
Aqui no principado encontramos de tudo. Há muitos gatos e moradores de rua. Também há muitos que pensam ser gente. Sim, o nome da menina era Lara, uma ninfa muito falante na mitologia romana.