Rua de Mão Única, por Eduardo Augusto
Livro aborda temas atemporais e polêmicos como gênero, feminismo e alteridade
Recebi há alguns dias da editora Aleph um livro que há muito eu paquerava, mas por falta de tempo não me dispunha a tê-lo: “A mão esquerda da escuridão”, da estadunidense Ursula K. Le Guin chegou em boa hora, em uma edição caprichada e com uma tradução cuidadosa com prefácio de Neil Gaiman. O livro traz também capa dura com uma bela pintura da artista Marcela Cantuária.
O livro conta as aventuras de Genry Ai, um terráqueo que representa a união interplanetária, Ekumen, um tipo de ONU dos planetas. Sua missão é convencer os habitantes do planeta Gethen (ou planeta inverno) a fazerem parte dessa organização.
Os gentheianos não parecem nem um pouco interessados em fazer parte do Ekumen, pois não têm interesse em tecnologia ou viagens espaciais, e ficam desconfiados com a visita do alienígena Genry, que logo estará envolvido em jogos políticos.
Os interesses do Ekumen no planeta inverno não são simplesmente por mais um planeta na federação, mas por que os gentheianos fazem parte de uma humanidade superior. Esse interesse leva à desconfiança em relação a Genry Ai. Apenas o Estraven, um político local que o recepcionou em sua chegada ao frio planeta, se interessou por ele e sua missão diplomática.
Por demonstrar interesse pelo convidado alienígena e pelo Ekumen, Estraven se vê em perigo, perdendo seu prestígio e tendo sua vida colocada em risco pelos seus compatriotas, onde armadilhas mortais são endereçadas a Estraven.
Outra dificuldade encontrada por Genry, é a sexualidade dos gentheianos, pois eles são ambissexuais, ou seja, tem a capacidade de desenvolver os dois sexos em determinado período.
Essas mudanças de sexos se dão em períodos de cópula chamado Kemmer, onde, dependendo do parceiro ou dos hormônios a que foram expostos, os gentheinos assumem o feminino ou masculino. Logo após a cópula o masculino retorna para o sexo único e o feminino passa pela gravidez e amamentação, para só então voltar a ser único. Assim, por ser humano e estar sempre no cio, Genry é visto como promíscuo pelo povo gentheiano.
A narrativa é conduzida pelos dois personagens, que contam suas desventuras num planeta frio e imerso em uma trama política e social e em meio a um povo que quer permanecer no isolamento.
A autora
Ursula Kroeber Le Guin nasceu na Califórnia, em 1922 e morreu em Portland, em 2018. Em seus quase 60 anos de atividade escreveu desde ficção especulativa, poemas, ficção científica e literatura infantil. Títulos como os “Círculos de Terramar”, “A mão esquerda da escuridão” e “Os despossuídos” deram a Le Guin diversos prêmios como Nebula e Hugo, as maiores honrarias da ficção científica.
A discussão de gênero em “A mão esquerda da escuridão” é um marco da ficção científica. Le Guin sofreu diversas críticas por seus personagens manterem a dicotomia macho e fêmea, feminino e masculino, Le Guin não explora novas formas de relacionamento, gerando incômodo e crítica. A própria autora, em certo momento, pediu desculpas por mostrar os genthenianos em relações exclusivamente heterossexuais.
Independente das críticas, Le Guin constrói uma narrativa sólida. Tanto seus personagens, como o ambiente à sua volta são palpáveis e realistas. Uma leitura instigante.