A Casa dos Gatos, por Jesuíno André de Oliveira
Como tudo que rege na Natureza – as fases da Lua, as marés, o clima, p.ex. -, assim o homem se porta. Depois de muito tempo bateu hoje novamente na porta o pedinte “sui generis” que da primeira vez me pediu um celular velho para doar. Insistiu tanto que acabou ganhando dois.
– Diga aí o que você quer! – atendi pela janela da frente.
– Senhor, bom dia. Estou pedindo uma ajuda de alimento. Se tiver umas moedinhas…
– Dinheiro não tem não. Vou ver aqui o que posso fazer.
Ele se identificou com o que eu já sabia.
– O senhor tá lembrado de mim. O senhor me deu os dois celulares. Uma tava com a placa queimada, mas o outro tá bom, funcionando bem. Agradeço muito por isso.
Não respondi, mas fiz uma observação e advertência:
– Cadê sua máscara? Não tô ajudando quem aparece aqui na porta sem máscara.
Ficou todo sem jeito. Foi procurar na sacola e tentou justificar.
– É que tá um calor danado…
Havia umas duas semanas que não aparecia um pedinte. Bastei estranhar o movimento.
Como a despensa sempre tem comida guardada para essas ocasiões, tratei logo de atender a pessoa.
– Tome aqui. É o que posso lhe ajudar. – estiquei o braço para manter distância do incauto.
– Muito obrigado. Que Jesus e Nossa Senhora lhe protejam e dê saúde. – o agradecimento de sempre.
– A situação não tá fácil pra ninguém. – não sei por que eu lhe disse isso.
– Pois é, senhor. Prefiro pedir a roubar qualquer coisa. A pessoa rouba um celular, depois vai preso e passa anos na cadeia. Não quero isso pra mim não. Eu peço sempre. Muitos negam, mas tem um que ajuda. Outro dia tava ali em Tambaú e fui perguntar a hora a um cidadão que me negou. Nem olhou pra mim.
– O mundo é assim mesmo. Poucos ajudam e muitos não.
Ele gostou da conversa. Eu não, mas dei a devida atenção em ouvi-lo.
– Semana passada eu sai para pedir ali perto do bairro João Agripino, atravessei a BR e fui pedindo pelo caminho. Pedia nas casas um serviço de limpeza de mato, mas recebia comida. Quando cheguei naquela rua através do Grupamento onde tem aquelas casas iguais, bati na porta e pedi pra limpar o mato da casa e da calçada. O dono era um Major do Exército. Ele olhou pra mim e disse que esse serviço era feito pelo pessoal do quartel e ele nunca abriu a porta pra gente estranha, mas como eu pedi trabalho, me ajudou por isso. No final me deu cem reais e o almoço.
– Tá vendo? Sempre precisamos um do outro. Agora, por favor, não deixe de usar máscara na rua. Esse vírus tá matando muita gente. Se vir sem máscara aqui na porta eu não atendo. Aqui tem pessoas do grupo de risco, eu mesmo tenho problemas de coração.
Dei a deixa sem querer.
– O senhor tem um coração muito bom. Esse vírus não pega o senhor não! – falou com tanta propriedade que me surpreendeu.
Tô quase acreditando nisso, mas não convém descuidar, afinal esse vírus – um ser unicelular – não poupa ninguém, assim como alguns mamíferos bípedes unicelulares. Por fim, após esse episódio lembrei-me de um genial trocadilho do Barão de Itararé: meu apostolado é do lado oposto!
Muito bom como você envolve a gente na narrativa.