Covidas

A Casa dos Gatos, por Jesuíno André de Oliveira

Prólogo
Durante minha caminhada matinal no principado de Miramar encontrei com uma conhecida senhora e sua filha especial.

— Bom dia! Meu marido gosta muito do senhor. É Biu Marreiro, ai do clube, ele conhece o senhor.

— Bom dia. Sim senhora, eu sei quem é. É o homem do clube!

— São mais de quarenta anos trabalhando lá!
Não sei seu nome, mas ela todo dia religiosamente leva a moça pra passear. A moça nasceu com uma deficiência cerebral grave e foi adotada desde bebê. Ela devota um sincero e verdadeiro amor que faz questão de revelar. Mãe e filha, com toda propriedade que a natureza reserva. Uma é preta e a outra branca.

Cena Um
Começo de mês a minha peregrinação é na farmácia. Há quatro anos cuido da bomba, seguindo fielmente a receita médica. Isso não impede de especular os preços que são caros. Fui a uma delas onde sou cliente, peguei os medicamentos e me dirigi ao caixa com inigualável bom humor, muito embora não fosse motivo para tal devido à estratosférica conta. Duas moças ociosas na espera e uma quando me viu gritou:

— Caixa livre!

— Bom dia senhora. Por gentileza, gostaria da nota dessa compra constando o meu nome.
A moça de rosto redondo e moreno era pura gentileza. Eu coçava a palma da mão esquerda quando aproveitei o ensejo para compartilhar meu humor:

— A senhora sabia que coçar a palma da mão é sinal de dinheiro. Segundo a crença, se for na mão direita é dinheiro que vem; se for na esquerda é dinheiro que vai. Portanto minha cara tenha piedade de um pobre cristão na soma desses zeros aí.
Ela abriu um sorriso perolado e disse:

— Essa não conhecia não. Tudo superstição, né? Algumas pessoas antigas me disseram que se você pisar em fezes terá sorte com dinheiro. – riu mais ainda.

— Peraí, essa eu não sabia não! Quer dizer que pisar em merda da sorte?! – fiquei surpreso com a novidade.

— É o que dizem da superstição!

— Pode ser de qualquer tipo?

— Acho que sim. – falou olhando com um riso cumplice para a companheira de trabalho.

— Pois minha senhora, vou lhe dizer uma coisa, quando sair daqui a primeira coisa que eu vou fazer é procurar na rua um dito cujo desse e pisar em cima com bastante força!
Gargalharam. Rir é o melhor remédio, como reza na revista Seleções.

Cena Dois
Perto do meio dia estou lá no mercado da Torre, onde fui numa loja de materiais plásticos. Enquanto uma jovem atendia ao pedido, fiquei olhando para as prateleiras, o balcão cheio de coisas miúdas e caído no chão vi uma vela com a forma do número 3. Na outra ponta do balcão estava uma senhora enrolando uns sacos plásticos, a quem me reportei mostrando a vela:

— Juntando outro dá a minha idade. – brinquei.

— Trinta e três, a idade de Jesus! – disse com fervor no olhar expressivo por detrás dos óculos redondos.

— Por falar nisso, vocês não vendem aqui uma vacina contra o ódio e o desamor, não? Tô procurando – pequei o mote imprudentemente, quando me toquei era tarde.

— Isso aí só aquele lá de cima resolve! – incisiva, apontou o dedo indicador para cima.

— Acho que ele tirou foi umas férias, porque aqui as coisas desandaram… – provoquei.
Evitando alongar a conversa, paguei a conta imediatamente e bati em retirada, mas ainda disse:

— Obrigado, bom dia e perdoe-me pela brincadeira.
Já estava na calçada quando ainda ouvi pelas costas a voz da senhora carola:

— Que é isso senhor, não há de que, vá com Deus!
E assim fui.

Jesuíno André de Oliveira

Cinquentão nascido baiano, adotado paraibano desde 1980, dublê de produtor cultural, crítico musical e podcaster. Trabalhou na área de comunicação e publicidade como redator, atualmente é cronista e aspirante a escritor, além de editor do programa Dicas do MeuSons na rádio Alternativa B.

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