A Casa dos Gatos, por Jesuíno André
Lembrei-me de um episódio ocorrido antes das últimas eleições para Presidente, quando encontrei na rua com um conhecido que me viu vestido de camisa vermelha, na qual estampava em cores amarelas o famoso símbolo do comunismo e do outro lado do peito o escudo invertido da CBF. Ele estranhou franzindo o cenho e me perguntou:
– Você agora é comunista?
Ora, eu devo lá satisfação das minhas convicções, atos ou pensamentos a ninguém. Meu espírito aquariano, avesso às militâncias e rótulos, me remete a liberdade com tendências anárquicas e libertárias. Respondi de bate-pronto:
– Sim, sou um legítimo marxista de tendência Groucho! E meu livro de cabeceira é “Socialismo para Milionários” do “fabiano” Bernard Shaw.
Causei-lhe mais confusão, pois o sujeito fez uma cara de muxoxo sem entender nada e foi embora.
Começo a acreditar que a falta de senso de humor (e de humanidade) é o que mais faz falta nesse país. Poderia ter-lhe dito com seriedade que o meu conceito socialista é genético: tive um avô comunista de carteirinha, integrante nos anos 30, ao lado do escritor Jorge Amado, do grupo baiano conhecido como “os vermelhos da região do cacau” e o antepassado dele um político e jurista quem primeiro assinou um documento de libertação dos escravos no Brasil.
Nenhum deles iria me referendar como paladino socialista e nem tenho pretensão alguma de sê-lo, mas seguindo uma lógica cartesiana um país com seu povo historicamente oprimido e com grandes problemas e diferenças sociais não cabe outro governo que não seja desse ideal.
Também não possuo a capacidade de tirocínio para ter dado uma resposta como aquela proferida pelo corajoso Caetano Veloso, um jovem hippie cantor/compositor na época da ditadura, quando intimado e interrogado por um grosseiro oficial militar em cujo ar de provocação perguntou-lhe:
– Senhor Caetano Veloso, o senhor é viado?
Caê não titubeou e respondeu na bucha:
– Não senhor. Sou civil!
Levou uns tabefes e pegou umas férias forçadas em exílio londrino.
Ainda no mês passado fui a um posto de combustível próximo de casa para abastecer o carro de um contraparente. O pátio das bombas estava vazio, saltei do carro e comecei a conversar com o funcionário.
– Agora o preço do combustível tá bom, né?
O moço me examinou por detrás dos óculos redondos e respondeu:
– Baixou bastante!
– Pois é, ainda tem gente que é contra, né?
Enquanto abastecia ele desancou e ficou livre para tecer comentários pertinentes sobre a situação econômica em que vivemos. Fiquei surpreso e feliz por seu conhecimento. Foi quando eu vi ao lado da bomba uma tabela antiga com os preços da gasolina.
– Olha aqui escrito, vai fazer exatamente um ano que o litro custava sete reais e vinte centavos e agora – apontei para a placa na frente do posto – custa quatro reais e noventa e sete centavos, quase a metade. Isso prova que o atual governo tem preocupação com o país e com o povo.
– Então, o senhor não vai acreditar que tem gente que é contra. Outro dia chegou um sujeito dirigindo um carro velho e soltando fumaça, e perguntou se havia baixado os preços dos combustíveis. Eu respondi que sim e ele falou que iria vender o carro e andar a pé, mas não abasteceria mais porque o ex-presidente disse que isso vai acabar com o país! E ainda disse que vai tatuar o nome do “mito” no braço. Um pobre de Jó sem juízo.
– E qual a idade desse sujeito? Era novo ou velho? – perguntei curioso.
– Era novo, aparentava assim a idade do senhor, uns quarenta e cinco anos…
Paguei e agradeci pelo serviço, tomei a apreciação cronológica como simpático elogio. Depois estufei o peito na ilusão da jovialidade, liguei o carro e segui feliz para meu destino. E assim desejo e espero dias felizes para o destino de todos nós.
Mais um.texto primoroso!