A Casa dos Gatos, por Jesuíno André de Oliveira
Ao raiar do Sol os ônibus circulavam lotados de trabalhadores e trabalhadoras – em cuja nova nomenclatura são conhecidos e conhecidas pelo sistema como colaboradores e colaboradoras.
Andava pela calçada, minha mente ainda assobiava a bela letra e melodia da canção “Sol de Primavera” de Beto Guedes, quando, “an passant”, ouvi o comentário inusitado:
– O pobre não adoece porque toma sol logo cedo, vitamina D e também caminha muito! – disse uma jovem senhora para o companheiro ao lado.
– Pobre não adoece porque não pode! – ele retrucou, dando ponto final na observação.
Fiquei pensando, quem seria o pobre e o que é ser pobre? Talvez um questionamento bastante discutível. A “prima facie”, podemos deduzir que todo pobre é trabalhador, mesmo que não lhe seja dado esse direito.
Desde sempre o mundo é constituído por pobres: os que realmente trabalham, dos que mandam e os das mentes opressoras. Eis mais uma tema delicado e complexo com capacidade também de gerar uma conversa bizantina. O que não vem ao caso.
A palavra pobre vem do latim “pauper” que em parte significa “pequeno”, o de poucas posses. De acordo com a informação de um poderoso banco suíço, 88 por cento da população mundial é composta por pobres. E apenas um 1 por cento é rica, aquela que faz a negação do ócio (negócio), o resto, que é a esmagadora maioria, são os trabalhadores e as trabalhadoras.
Entretanto, há os que não se acham pobres. São os bem assalariados pobres de espíritos da classe média. Segundo o iluminado Sidarta Gautama, e peço emprestado as suas palavras categóricas, as quais alega que o mundo é uma ilusão. Tomemos, pois como uma verdade absoluta.
Embora pareça um discurso panfletário, passo longe disso, pois não tenho vocação politica e nenhum subsidio intelectual para tal. E muito menos cacote apostólico para voto de pobreza e exercício celestial para a caridade como alguns exemplares de santos e santas da igreja. Faço o que posso diante da minha pretensão de enricar espiritualmente, ao menos isso.
Em tempos modernos, fermentado pelas relações líquidas e pela sociedade do cansaço, a enrustida “aporofobia” tomou vergonha e assumiu definitivamente o seu alto posto na escala nacional e mundial. O mais interessante é que aqueles “um por cento” da classe rica é a que menos pratica essa fobia. Não perde tempo com isso. Diante do fato, definitivamente concluímos que algumas espécies de pobres odeiam os pobres de todas as espécies.
Pra finalizar, ilustro a breve crônica com uma frase proferida pela empregada doméstica da casa de Dona Maria das Dores, que num insight sagaz da mais fina ironia declarou aos presentes;
– Dona Maria, a gente pobre não faz festa, faz um arranjo!
E lá fui eu cantarolando “Sol de primavera / Abre as janelas do meu peito / A lição sabemos de cor / Só nos resta aprender…”
A exegese cabe ao leitor.
Foi bem lá no contexto social do mundo. Ninguém realmente se liga na ilusão. Porque no final, é tudo igual: entropia que leva ao caos. O ouro, a prata, os corpos… quem é pobre, afinal? Ou rico!
Em contrapartida, o texto é riquíssimo! 👏🏽👏🏽👏🏽