A Casa dos Gatos, por Jesuíno André de Oliveira
Avistamo-nos por acaso no meio da rua. O olhar brilhante do Seu Edson apresentava uma vibrante alegria, mas isso é atributo que ele carrega para onde for e estiver. É daqueles seres singulares que estão sempre dispostos para a vida. E a sua, como uma pessoa humilde, foi de constante luta.
– E aí Seu Edson, como tem passado? Quanto tempo, hein?!
– É meu filho. Tá tudo bem. Tá tudo ótimo!
Na minha antiga morada, um condomínio de apartamentos, ele prestou durante anos serviço particular de lavagem de carro para alguns moradores. Nesse tempo e espaço criou simpatia com todos e todas.
– Ainda está lavando carros?
– Sim, mas agora estou com poucos clientes. Sempre venho aqui ao prédio ao lado – apontou a direção – e lavo alguns. São clientes antigos, tem empresário, advogados, muita gente importante.
– O senhor tá firme e forte, né? – disse Vitória.
– Pois é, doutora, faz tempo que me aposentei, mas ainda faço esse trabalho pra não ficar parado. Já criei em casa os filhos, netos e até nora. Agora estou vivendo com a mulher num apartamentozinho.
Ele é baixinho, cabelos brancos de olhos puxados e tem o físico mirrado, e é bastante falante. Sua memória anda falha, mas consegue lembrar momentos do passado. Aproveitou para justificar as mudanças de sua vida com o sucesso na criação dos familiares e o vicio abandonado:
– Faz dez anos que parei de beber. – falou sem cerimônia.
Por sinal uma surpresa para mim que não o imaginava como um bom copo.
– E o senhor bebia muito?
– Ah, meu filho, era direto! Eu era amante da cachaça e do banho de rio. Amante mesmo! Ia constantemente com os amigos clientes lá do condomínio.
– E o banho de rio era aonde? – a mulher ficou curiosa.
– Madame, a gente ia constantemente ao rio do Cabelo, Gramame, Jacarapé, Guruji…
– Parou mesmo de beber? – insisti no assunto.
– Sim, já tem tempo. Quando fui zelador de outro prédio e os amigos convidava pra ir tomar uma no rio, eu combinava com o porteiro para me chamar e dizer bem alto: “Seu Edson, corra que ligaram lá da sua casa. É urgente, mas não disseram o que foi. Vá logo que estão precisando do senhor!”. Dai os caras me pegavam e íamos curtir. – riu da traquinagem.
– Isso era num dia de sábado ou no domingo?
– Não, não tinha dia não. Mas graças a Deus eu parei com esse vício.
– E o senhor tá com quantos anos?
– Vou fazer setenta e oito anos.
– Setenta e oito?! Não tem quem diga. – fiquei surpreso, pois aparenta bem menos.
– Agora vivo tranquilo. Os filhos estão criados, só tenho um neto adolescente que mora comigo e a mulher. Inclusive ela tá com artrose no quadril e com início de Alzheimer.
– Eita! E qual a idade dela? – perguntou Vitória.
– Oitenta e quatro!
– Interessante, ela é mais velha do que o senhor…
– Isso mesmo. É muito comum entre os casais as mulheres cuidarem dos homens quando ficam velhos, mas comigo foi o contrário: eu cuido dela. – falou com luz nos olhos.
Se deixasse a conversa ia longe e o café da manhã esfriaria. Seu Edson é um desses gênios humildes e desconhecidos da raça humana.
Um excelente crônica do cotidiano de nosso povo!
Boa!